Exorcista. "Os padres estão pouco preparados para lidar com demónios"
(Foto Filipe Casaca)
O padre católico espanhol José Fortea é uma das maiores autoridades católicas em matéria de exorcismo. Veio a Portugal, mas não para exorcizar
José Fortea garante que nunca quis ser exorcista. Aos 42 anos, vive em Roma numa residência eclesiástica com 40 padres. Diz que nunca se deita sem antes fazer um exame de consciência
É um nome incontornável quando se fala de exorcismo e Igreja Católica. Em Espanha há cinco exorcistas, cujas identidades são guardadas em segredo pelos bispos. Mas a do padre José Fortea é conhecida no mundo inteiro. Passou os últimos anos a viajar, para ensinar outros padres a lidar com espíritos malignos - recorrendo a disciplinas como Antropologia do Satanismo ou Possessão Diabólica. Há pouco mais de um ano mudou-se para o Vaticano, onde está a preparar a tese de doutoramento sobre exorcismo. José Fortea fala do Diabo com uma familiaridade e seriedade de espantar e veio a Portugal apresentar o seu último livro, que é o manual mais completo sobre demónios e exorcismos da Igreja: "Tratado de Demonologia e Manual de Exorcistas" (editora Paulus). Tímido na aparência, calmo na voz, interrompe a entrevista para confessar que há coisas que não se explicam. "Como aquele padre jesuíta que ia embarcar no Titanic e o seu superior o obrigou a voltar para trás, ou aquela mulher que chegou atrasada ao Airbus que caiu no Atlântico e morreu um mês depois num acidente de carro." Durante os primeiros cinco minutos de entrevista, José Fortea falou sempre de olhos fechados.
Diz-se que os padres mais novos não sabem nada sobre demónios. A Igreja está a distanciar-se destes assuntos?
Nos seminários, esta especialidade nunca foi ensinada em profundidade porque não era necessário. Quando havia um problema de possessão, o assunto era encaminhado para um especialista. Nas décadas de 1970 e 80 houve um grande distanciamento e os seminários estavam cheios de professores com ideias muito racionalistas. Agora já não é tanto assim.
E esses especialistas aprendem onde?
A melhor maneira de aprender é estar com um exorcista, vê-lo trabalhar, ouvir a experiência que ganhou com o tempo. Só os livros não chegam.
É por isso que tem viajado pelo mundo inteiro dando formação?
Sim. Faço-o porque é um tema que está muito esquecido e os padres estão pouco preparados. Mas ao fim e ao cabo, este tema não é assim tão importante. Se os exorcistas desaparecessem as pessoas possuídas sofreriam, mas a Igreja não deixaria de existir.
Como é que se tornou exorcista?
Cada um tem a sua história. No meu caso, nunca quis ser exorcista. O meu bispo chamou-me e disse-me que deveria ser o tema da minha tese final de licenciatura. Tive de lhe obedecer. Entretanto, visitei exorcistas do mundo inteiro (aprendi muito com o padre Gabrielle Amorth, exorcista da diocese de Roma) e foram-me aparecendo casos. Tive de os atender porque não havia mais ninguém.
Qualquer padre pode fazer exorcismos?
Sim. Com autorização do respectivo bispo. Mas a qualidade da vida espiritual de cada padre pode aumentar o seu poder.
Falou do padre Amorth. Pensei que não se davam. Ele diz que há seitas satânicas no Vaticano em que participam cardeais e o padre José criticou-o publicamente.
Ele disse o que pensava e eu disse que isso não fazia sentido. As pessoas têm sempre a ideia de que na Igreja há complôs. É da natureza do ser humano criar romances. O colégio cardinalício merece muito respeito e os cardeais são pessoas que se dão à Igreja. E não ganham tanto como se pensa. Um cardeal normal ganha menos de 2000 euros.
Quando um padre comete pedofilia está sob a influência do demónio?
Claro que o demónio pode tentá-lo. Mas a pedofilia explica-se por razões naturais.
Já exorcizou algum padre?
[risos] Algumas vezes.
Diz no seu livro que o demónio tenta mais as pessoas que têm altos cargos na Igreja. O Papa tem de ter cuidados especiais?
É verdade que os demónios tentariam mais a Igreja, mas a oração da Igreja pela Igreja protege-a e o Papa está muito protegido pela oração. Quanto mais rezamos, mais tentações evitamos.
O Diabo também não deve gostar muito de si.
Eu sou mais odiado não por ser importante na Igreja, mas porque falo de mais. Sei que devia rezar mais a Deus para pedir protecção...
Nunca lhe aconteceu nada de estranho?
Só uma vez, em que as luzes de casa se acenderam de repente. Mas depois não aconteceu mais nada.
E não tem medo?
Não, porque acredito em Deus.
Os nomes dos exorcistas normalmente não são revelados. Nunca foi acusado de excesso de mediatismo?
Sim. No início estava na paróquia e era valorizado pelos meus companheiros. Mas percebi que tinha de falar, convencer as pessoas. Então começaram as críticas. Mas... já pensei muitas vezes que se me visse na televisão e não me conhecesse... eu próprio pensaria mal de mim. E desconfiaria. O bispo disse-me que os media não deveriam saber, no início. E eu entendo. Sei que o demónio não quer que dê conferências ou apareça nos jornais, falando do bem. O demónio quer estar oculto e a pouco e pouco vamos tirando os símbolos religiosos da sociedade. Antes, Deus estava presente nas ruas, nas escolas. Havia hábitos religiosos. Hoje, falta pouco para que Deus não apareça.
O Vaticano mudou o ritual do exorcismo. Há quem diga que foram retiradas orações muito importantes e introduzidas outras que não têm poder. Concorda?
Não. Os dois rituais são igualmente eficazes.
Já o ouvi dizer que o Inferno enquanto local não existe.
Sim. O Inferno não é um sítio, porque as almas não ocupam espaço. É um estado. Mas são pouquíssimo os condenados, acredito, porque Deus é misericordioso.
Se Deus quisesse podia acabar com os demónios. Porque não o faz, se é um Deus de tanto amor?
Deus permite o mal. O sofrimento às vezes faz muito bem à alma. Deus nunca nos dá uma cruz maior do que aquela que podemos suportar e permite o mal neste mundo porque, quando um ser humano nasce, a linha de saída não tem nenhum mérito. Mérito é gerir o bem e o mal até ao fim.
Deus e o demónio conversam ?
Acredito que o fazem algumas vezes. Mas o demónio não vai visitar Deus, está no Inferno. Só que por vezes eleva a sua voz a Deus. E Deus escuta-o. Mas Deus tem pouco a dizer ao demónio e o demónio não quer falar com Deus.
Quantos exorcismos já fez?
Perdi a conta. A sério que não sei. Antes de estar em Roma recebia gente de manhã, e à tarde, todos os dias.
Vai estar com colegas exorcistas cá?
Não. Só para apresentar o livro.
Mas há exorcistas em Portugal?
Não sei mesmo. Só perguntando.
E vai fazer algum exorcismo cá?
[risos] Não. Só posso fazer na minha diocese.
Paga-se por um casamento e um baptizado. E um exorcismo, quanto custa?
Nada. Os exorcistas trabalham por amor a Deus. Mesmo que seja preciso rezar por alguém durante anos para o libertar.
Com Marta F. Reis e Cláudia Garcia
por Rosa Ramos, Publicado em 08 de Julho de 2010.