Saturday, 20 November 2010

O NEGACIONISTA WILLIAMSON JÁ NÃO É EXCOMUNGADO

Igreja Católica acolhe bispo negacionista

Dia 21 de Janeiro de 2009, o Perfeito da Congregação dos Bispos da Igreja Católica, fazendo uso do poder que lhe foi expressamente conferido para o efeito pelo papa Bento XVI, assinou um decreto revogando a excomunhão em que incorreram os quatro bispos da Sociedade de São Pio X (SSPX) ordenados pelo arcebispo Marcel Lefebvre em 30 de Junho de 1988 à revelia do então papa João Paulo II. Esta excomunhão (em que também incorreram Lefebvre e outro co-celebrante), determinada pela lei canónica e confirmada por decreto papal de 1 de Julho de 1988, constituiu a culminação da trajectória de dissidência e de aberta desobediência em que Lefebvre e a sua SSPX se encontravam desde 1975 face ao bispo de Roma.

O entretanto falecido arcebispo Lefebvre fundara esta sociedade em 1970 afim de enquadrar os padres por ele formados num pequeno seminário na Suiça. Tanto o seminário como a sociedade tinham e têm por objectivo oporem-se às reformas do Concílio Vaticano II, que Lefebvre e seus seguidores consideram não só “liberais” e “modernistas” como essencialmente não-católicas, tanto na forma quanto no espírito. Lefebvre opunha-se nomeadamente ao ecumenismo, ao princípio da liberdade religiosa e ao princípio da colegialidade dentro da Igreja Católica. Porém, o aspecto exteriormente mais visível da dissidência da SSPX é a rejeição, pelos lefebvristas, do rito da missa instituído pelo Concílio Vaticano II e a prática exclusiva da chamada “missa tridentina,” o rito pré-conciliar caracterizado, entre outras coisas, pelo uso do latim e pela posição do padre face ao altar e de costas para a assembleia. (A missa tridentina foi entretanto reabilitada pelo papa em 2007 num gesto que muitos consideram como um ramo de oliveira estendido aos membros da SSPX e a outros grupos integristas dentro ou nas margens da igreja romana.)

Para além das posições estritamente religiosas, Lefebvre ilustrou-se igualmente pela sua opinião favorável ao regime colaboracionista de Vichy, assim como pelo seu apoio às ditaduras de Pinochet, Franco e Salazar, e a Jean-Marie Le Pen, o conhecido político francês de extrema-direita.

A SSPX tinha, em 2005, 4 bispos, 463 padres, 160 seminaristas, 85 frades e 75 leigos, e os serviços religiosos ministrados pelos padres são participados por centenas de milhares de católicos em diferentes continentes.

Apesar da anulação da excomunhão, os quatro bispos encontram-se ainda suspensos a divinis, ou seja, formalmente não autorizados a administrar qualquer sacramento, mas correm rumores segundo os quais estará em cima da mesa a hipótese de Bento XVI transformar a SSPX numa prelatura pessoal a exemplo da Opus Dei. O levantamento da excomunhão tinha sido proposto pelo bispo Bernard Fellay, líder da SSPX, como condição prévia para a abertura de um diálogo com Roma. A notícia tomou de surpresa o mundo católico uma vez que a SSPX mantém inteiramente a sua recusa cismática em reconhecer a validade das reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II.

Todavia, a surpresa de católicos e de não católicos tomou as proporções de um escândalo internacional quando se descobriu que, nas vésperas do dia em que a igreja romana revogava a excomunhão dos quatro bispos, uma cadeia de televisão sueca difundia uma entrevista com Richard Williamson, um dos quatro bispos da SSPX, onde se pode ver e ouvir Williamson defender a tese negacionista segundo a qual o Holocausto de 6 milhões de judeus nas câmaras a gás nazis nunca aconteceu. No momento em que escrevo, o excerto em causa continua acessível no Youtube. A reacção de choque dos mais diversos quadrantes não se fez esperar, e particularmente no mundo judeu. O Centro Simon Wiesenthal, o Comité Judaico Americano e a semi-oficial Agência Judia de Israel denunciaram o Vaticano pelo acolhimento dado a um negador do Holocausto. O rabi David Rosen, presidente do Comité Judeu Internacional para as Consultas Inter-religiosas, afirmou que “enquanto o Vaticano não exigir a retractação (das afirmações negacionistas de Williamson), é toda a Igreja que se encontra contaminada.”

Face à emergência da polémica, o porta-voz papal, Frederico Lombardi, afirmou que o decreto revogando a excomunhão de 1988 não significa de modo algum que Bento XVI partilhe da opinião de Williamson acerca do Holocausto. Entretanto, em 26 de Janeiro, num artigo de primeira página, o jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, colocou a suspensão da excomunhão dos quatro bispos sob o signo do Concilio Vaticano II, precisamente o pomo da discórdia entre a SSPX e Roma, acrescentando que a intenção de reconciliação do papa “não seria obscurecida pelas opiniões negacionistas nem por comportamentos relativos aos judeus inaceitáveis da parte de alguns membros das comunidades às quais o bispo de Roma estende a sua mão.” No dia seguinte, o Vaticano emitiu um comunicado atribuído a Bernard Fellay no qual este terá pedido perdão ao papa e dissociado a SSPX das tomadas de posição de Williamson, a quem terá interdito que se pronuncie publicamente sobre questões políticas ou históricas até nova ordem. No momento em que escrevo (28 de Janeiro), continuam a surgir novas reacções de denegação por parte de responsáveis do Vaticano.

Todavia, as opiniões negacionistas de Richard Williamson, assim como outras do mesmo estilo, não datam de ontem e têm sido publicamente promovidas pelo bispo da SSPX. Algumas dessas opiniões foram detalhadas em dois artigos publicados em 5 de Março de 2008 pelo The Catholic Herald, um jornal católico britânico de grande circulação cuja linha editorial é reconhecidamente conservadora. Aí ficamos a saber que, num texto publicado em 2000, no website da SSPX, Richard Williamson afirmou a autenticidade dos Protocolos dos Sábios de Sião, uma clara falsificação (forjada em meados do século XIX, na Rússia czarista) das actas de uma imaginária reunião de sábios judeus onde é formulado o plano de uma suposta conspiração para a dominação mundial judaica através de manipulações económicas, dos jornais e da instigação de conflitos entre religiões. Desde que foram postos em circulação, os Protocolos têm sido usados como vector de difusão de ideias e de sentimentos anti-semitas por diferentes grupos e indivíduos, entre os quais Adolf Hitler que deles se terá servido como de um autêntico manual de instruções na sua empresa totalitária.

Na mesma linha, o bispo Williamson subscreve a tese da conspiração segundo a qual os ataques do 11 de Setembro teriam sido obra não de terroristas, mas do próprio governo Americano. Também afirmou ao referido jornal que, “de acordo com a sua falsa vocação messiânica para a dominação mundial, os Judeus estão a preparar o trono do Anti-Cristo em Jerusalém.” Interpelado na mesma altura a respeito das afirmações do bispo, o secretário-geral da SSPX, Arnaud Sélégny, recusou condená-las e asseverou que Richard Williamson seria certamente incluído em qualquer reconciliação com a Igreja de Roma. O que parece estar a verificar-se.

Depois da reabilitação, por Bento XVI, da missa tridentina contendo uma oração pela conversão dos judeus na liturgia da Sexta-Feira Santa e dos planos papais para a canonização de Pio XII, um papa cuja passividade face aos crimes nazis é por muitos considerada grave, muitos católicos e não-católicos inquietam-se com o rumo que a igreja de Roma poderá estar a tomar.

N.B.: 2009-02-16: corrigi um erro e uma inexatidão. Ao contrário do que escrevi inicialmente, Marcel Lefebvre era arcebispo e não cardeal. A inexatidão respeita aos números dos membros da Sociedade Pio X, os quais se referem a 2005 e não à actualidade. A fonte dos mesmos é um dos sites da própria sociedade.

Publicada por MM em 15:04

O caderno de Miguel Montenegro

Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2009


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