Monday, 24 January 2011

SEM ABRIGO NO PAVILHÃO DA AJUDA


No primeiro dia passaram pelo pavilhão 26 pessoas. Algumas recorreram aos técnicos para encontrar um abrigo, mas a maioria queria apenas um aquecedor e uma sopa. Apenas quatro pessoas aceitaram ser reencaminhadas para abrigos (Foto: Rui Gaudêncio)

Carlos, de 61 anos, dorme na rua, em Santa Apolónia, e Albertina, de 68, vive numa casa, na Graça, com as limitações que a doença de que padece lhe impõe. Ontem cruzaram-se no Pavilhão Desportivo da Ajuda, em Lisboa, onde desfrutaram de uma refeição quente e pelo menos por umas horas deixaram para trás o frio que os tem perseguido nos últimos dias.

"Durmo em Santa Apolónia há um ano e tal mas estou a ver se mudo de situação", conta Carlos, de ombros encolhidos num impermeável azul escuro. "Estava na pesca e tudo falhou. É assim, é a lei da vida", acrescenta com alguma resignação, sempre de olhos postos na porta do pavilhão que a Câmara de Lisboa disponibilizou para receber a população de rua nesta vaga de frio.

E aquilo que Carlos procura é, tão simplesmente, uma oportunidade para sair da rua. Ontem, e daí a expectativa deste homem de 61 anos, essa oportunidade parecia ter chegado, com a promessa de que já nessa noite ia dormir numa cama, debaixo de um tecto, num abrigo do Exército de Salvação.

A solução foi proporcionada pelos técnicos da Câmara de Lisboa e da Santa Casa da Misericórdia, que desde anteontem estão no Pavilhão Desportivo da Ajuda para atender a população sem-abrigo e ajudar a encontrar respostas para os seus problemas. Neste espaço, como sublinha o vereador da Acção Social, Manuel Brito, foram criados pequenos gabinetes para atender com privacidade quem ali se dirige.

Roupas e um banho

No pavilhão, que o vereador explica que continuará de portas abertas 24 horas por dia enquanto se mantiverem as temperaturas baixas, servem-se refeições, distribuem-se roupas e agasalhos, e também se pode tomar banho. Mas o objectivo principal, sintetiza a directora do departamento de Acção Social da autarquia, Sónia Ramos, é mesmo disponibilizar um espaço quente a quem passa as noites na rua.

Anteontem passaram pela Ajuda, pelo seu pé ou trazidas por carrinhas de instituições que trabalham com a população sem-abrigo, 26 pessoas, mas só quatro foram reencaminhadas para abrigos. As restantes não quiseram usufruir dessa possibilidade, mas não dispensaram uma refeição cozinhada na tenda da Cruz Vermelha Portuguesa e algumas horas abrigadas do frio.

Sentada numa cadeira de plástico branco, com gorro, cachecol e casaco vestido, Albertina passou a tarde de ontem no pavilhão, encostada a um dos vários aquecedores espalhados pelo espaço. "Estava em casa e vim para aqui ver se comia uma sopinha porque sou epiléptica e não posso usar o fogão", conta, enquanto lê O Amigo dos Leprosos, uma revista que trouxe da igreja onde foi assistir à missa.

Ontem à tarde havia muitos técnicos mas apenas quatro utentes na Ajuda. Um lia, outro via televisão com uma manta nas pernas e dois estavam simplesmente ali, longe dos sete graus que se faziam sentir nas ruas de Lisboa.



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