Sunday, 28 November 2010

1972 - OS INCIDENTES DA CAPELA DO RATO

A vigília da Capela do Rato

A iniciativa mais emblemática levada a cabo por católicos, contra a ditadura do Estado Novo e a guerra colonial é a vigília da capela do Rato, realizada há 35 anos. A comemoração do Dia Mundial da Paz, proposta pelo Papa Paulo VI, dá o mote à acção VI. O acontecimento é preparado por católicos ligados ao Boletim Anti-Colonial (Nuno Teotónio Pereira, Luís Moita, Isabel Pimentel, Conceição Moita) e por estudantes (João Cordovil, Galamba de Oliveira, António Matos Ferreira), sendo a ligação entre os dois grupos estabelecida por Francisco Cordovil. Sábado, dia 30 de Dezembro de 1972, na missa das 19 e 30 da capela da JEC, na Calçada da Rocha Cabral, ao Rato, um grupo de cristãos surpreende o celebrante, Pe. João Seabra Dinis, ao declarar publicamente que tenciona realizar na capela uma jornada de 48 horas de «greve da fome» e de reflexão acerca da guerra colonial. Apela a cristãos e não-cristãos para que se juntem à iniciativa. Entretanto, vários petardos colocados pelas Brigadas Revolucionárias, em diversos pontos da capital e arredores, espalham panfletos apelando à solidariedade com os grevistas da fome no largo do Rato. O texto denuncia a guerra colonial como uma causa de miséria do povo português e um instrumento de dominação.

Na capela, várias centenas de pessoas prosseguem a reflexão, cerca de vinte delas em jejum voluntário. À noite, o Pe. Alberto, o responsável da capela que não pudera celebrar a missa por estar doente, com uma pneumonia, faz saber que ignora a iniciativa mas não se opõe a ela.

No domingo de manhã, dia 31, celebram-se as missas das 11 e 12 e 30, durante as quais os participantes são informados do que se passa.

Simultaneamente, são distribuídas em várias Igrejas de Lisboa comunicados sobre o acontecimento que apelam à adesão de mais pessoas à vigília ou a outras acções com os mesmos objectivos: «1. Romper com o silêncio acerca do problema da Guerra em Angola, Moçambique e Guiné. Procurar a paz.//2. Declarar solidariedade com as vítimas da Guerra».

À tarde, a reflexão continua. Cerca de 300 pessoas aprovam uma moção que parte de cinco «considerandos» que se podem sintetizar numa frase: a guerra contra os povos de Angola, Moçambique e Guiné é injusta e também vitimiza o povo português. Por esta razão, repudiam vigorosamente a política do Governo português; denunciam a atitude de cumplicidade da Hierarquia da Igreja Católica; condenam a repressão sobre os trabalhadores e jovens que se manifestam contra a guerra; solidarizam-se com os povos das colónias em luta e com os portugueses empenhados na construção de uma sociedade justa; apelam a todas as pessoas conscientes que se unam na luta contra a exploração e opressão do povo trabalhador. Chega à capela do Rato uma mensagem de católicos do Porto que se solidarizam com a reunião. Por volta das 19 horas, as forças policiais começam a concentrar-se à volta da capela. Às 20 e 30 o local está cercado por dez carrinhas com polícia de choque e cães, além de viaturas de outras polícias. O trânsito é controlado e a zona encontra-se isolada. É a hora de jantar e algumas pessoas abandonam a capela para ir a casa. Por volta das 20 e 45, um comissário da PSP entra na capela e dá aos presentes ordem de evacuação no prazo de dez minutos. Segundo o relatório do comissário, as pessoas não acatam a ordem e começam a cantar em coro «Perdoai-lhes Senhor que eles não sabem o que fazem». Esgotado o tempo, a polícia diz aos participantes na vigília para se retirarem imediatamente. Os intimados protestam e querem saber se a PSP possui uma autorização do Patriarcado para entrar na capela. Alguns, entre as quais Pereira de Moura, permanecem sentados e resistem à ordem. A polícia arrasta-os. Cerca de 60 pessoas são levadas para a vizinha esquadra da PSP do Rato. Os suspeitos de serem líderes são conduzidos para os calabouços do Governo Civil e mais tarde para o forte de Caxias, onde ficam incomunicáveis. Deste grupo fazem parte Nuno Teotónio Pereira, José Luís Galamba de Oliveira, Maria Benedita Galamba de Oliveira, Francisco Pereira de Moura, Homero Cardoso, Luís Moita, Manuel Coelho Carvalho, João Cruz Morais Camacho, João da Fonseca Quá, Francisco Louçã, Hermenegildo José Carmo Lavrador, Jorge Wemans, João Pimentel e Miguel Teotónio Pereira.

Entretanto, pelas 22 horas o Pe. António Janela comparece na capela do Rato com a finalidade de preparar a missa da meia-noite. É informado pela empregada que a polícia exigia o encerramento da capela. Esta informação é confirmada pelo Pe. Janela no Comando geral da PSP: a capela devia permanecer fechada durante toda a noite e o dia 1 de Janeiro. De volta ao local de culto, o padre coloca a par da situação os católicos que tinham aparecido para participar na eucaristia. Uma vez que nenhum deles recebera qualquer indicação do Cardeal Patriarca no sentido de acatar a ordem policial, decidem celebrar a missa, encostando a porta. No dia 1 de Janeiro, pela manhã, D. António Ribeiro é posto ao corrente do que se passa e pronuncia-se pela continuação dos actos de culto habituais. Após a celebração da última missa da manhã, um oficial e um comissário da PSP intimam o Pe. António Janela a acompanhá-los. O Pe. Armindo Garcia, que se identificara espontaneamente, também é conduzido à sede da DGS.

D. António Ribeiro envia o seu secretário para exigir a libertação de ambos os sacerdotes. O Pe. Armindo Garcia é libertado, mas o Pe. António Janela continua preso e é interrogado. O Cardeal Patriarca vai à sede da DGS e recusa-se a sair enquanto o padre não for solto. Aguarda uma hora. Entretanto a capela fora evacuada e fechada pela polícia que se mantém de guarda à porta.

Rapidamente se multiplicam as edições policopiadas com relatos e comentários aos acontecimentos, a transcrição da moção aprovada e do comunicado à população. As reacções ao encarceramento dos participantes na vigília sucedem-se: são enviados ao Governo português telegramas de três comissões sindicais solidarizando-se com Luís Moita (na altura técnico sindical) e uma carta da Direcção do Sindicato dos Arquitectos dirigida ao Ministro do Interior protestando contra a prisão do arquitecto Nuno Teotónio Pereira. São entregues exposições de protesto ao Presidente do Conselho (mais de 600 assinaturas) e ao Patriarca de Lisboa (cerca de 400 assinaturas).

A demissão pelo Governo de 12 funcionários públicos acusados de participarem na vigília leva à criação, logo em Janeiro de 1973, de um novo tipo de acção solidária contra a «repressão económica», em complemento da já praticada pela Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. O objectivo é reunir fundos para pagar as cauções dos presos, os vencimentos aos funcionários demitidos e as multas aplicadas aos arguidos. Além disso, pretende-se arranjar novas colocações para os funcionários demitidos. Em Março de 1973 já se tinha encontrado emprego para nove dos doze funcionários demitidos e um décimo estava colocado temporariamente. O êxito da iniciativa acaba por ser posto em causa pelo decréscimo do entusiasmo inicial e pelo aumento da vaga repressiva – em Maio prendem-se cerca de duzentas pessoas.

O Professor Francisco Pereira de Moura é demitido do Instituto Superior de Economia, acto que causa indignação no meio académico. Este redige um texto acerca das condições em que é preso (dez dias incomunicável) e demitido, o qual é divulgado em edição policopiada.

Uma nota do Patriarcado analisa o acontecimento em 10 de Janeiro. Apesar da prudência da nota e da desautorização da vigília, pela primeira vez o Cardeal Patriarca condena uma acção repressiva concreta do Estado Novo.

As repercussões da vigília da capela do Rato obrigam o Presidente do Conselho a intervir em público, reagindo num longo discurso (37 minutos) feito na rádio e televisão, e acabam por atingir a Assembleia Nacional. Em 27 de Fevereiro, Miller Guerra trava uma discussão tornada célebre com Casal-Ribeiro em que admite discutir a presença de Portugal em África. Miller Guerra acaba por se demitir da Assembleia Nacional, juntamente com Francisco Sá Carneiro: é o golpe de misericórdia no sonho formado por equívocos e ilusões da «ala liberal» acerca da possibilidade de uma «transformação por dentro» da ditadura em democracia.

No meio católico, a vigília da capela do Rato dá um novo fôlego ao empenhamento cívico dos católicos que se traduz na criação de um movimento Justiça e Paz em Lisboa.

Segunda-feira, 26 de Março de 2007


D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES NO EXÍLIO


Foto tirada em Roma e oferecida à mãe em Outubro de 1964. Depois do jantar de despedida em 23 de Julho de 1959 não voltou a ver a mãe que veio a falecer em 21-11-1965, não tendo sido autorizado a vir ao funeral.


texto e imagens: FUNDAÇÃO SPES


Criada por Dom António Ferreira Gomes, Bispo do Porto
Inst. de Utilidade Pública, DR, 2º série - n.º 128 - 6 de Julho de 2009

Ao referir elogiosamente o Cardeal Cerejeira, Ratzinger insultou uma das figuras mais ilustres da Cidade do Porto


Automóvel, marca Opel, oferecido pelos sacerdotes diocesanos que se cotizaram para facilitar as suas deslocações na Diocese de Valencia (Espanha) em que se fixara, dado que o carro em que tinha saído do Porto, para o que julgara ser um período de férias, lhe fora solicitado pela administração diocesana.

Foto junto ao automóvel oferecido pelos padres da Diocese do Porto em 1960 [?]. Na fotografia Alberto F. Gomes (Irmão, 06-10-1918 – 14-01-2005); Maria José Torres de Magalhães Nunes (Cunhada, Out. 1925 – 12-11-1984); Inês Ferreira Gomes (Irmã, 21-01-1908); D. António Ferreira Gomes

No exílio, em Valência. 1961.

D. António Ferreira Gomes no exílio, em Valência. 1962.

Actividade pastoral de D. António em Espanha, Puerto de Sagmento, 25-03-1961.


Visita pastoral em Real de Montroy, Espanha, 23-2-1963.


Anel de D. António Ferreira Gomes enquanto Bispo do Porto, oferecido pelo Papa Paulo VI.


Quarta-feira, 12 de Maio de 2010

http://nortecaustico.blogspot.com/2010/05/ao-referir-elogiosamente-o-cardeal.html

FÓRUM ABEL VARZIM LEMBRA OPOSIÇÃO CATÓLICA AO ESTADO NOVO


Cardeal Cerejeira e Salazar (1.º e 3.º a contar da esquerda). Inauguração da exposição do Mundo Português (Lisboa, 23.06.1940). Foto: Mário Novais

História

Fórum Abel Varzim lembra posição de católicos que se opuseram a Salazar e à submissão da Igreja ao Estado Novo

O Fórum Abel Varzim disponibiliza no seu site diversos documentos relativos à actividade empreendida por católicos na década de 1950/60. Os textos críticam algumas posições de António de Oliveira Salazar, bem como a submissão de parte do clero a determinadas políticas seguidas pelo Estado Novo.

Os arquivos incluem o número 8 do jornal clandestino «Direito à Informação», que começou a ser policopiado em 1963. O boletim pretendia difundir notícias e documentos que, previsivelmente, a Censura eliminaria dos jornais legais.

“Sofremos por ver a face da Igreja, Mãe e Mestra, desfigurada. No entanto o Evangelho não nos permite julgar os bispos que, em bênçãos, banquetes e inaugurações, aparecem ao grande público com todo o peso de uma caução moral que os encandeia ao regime. E nem mesmo podemos julgar certos padres que, ainda em muitas regiões e em jornais católicos, sustentam abertamente o Estado Novo. Tudo isto é também traição de todos nós, e temos consciência de quanto têm pesado as nossas fraquezas e omissões”, lê-se no artigo de abertura da publicação.

Entre os documentos que podem ser consultados encontra-se o texto intitulado “As relações entre a Igreja e o Estado e a liberdade dos católicos”. A tomada de posição, que foi assumida por mais de 40 personalidades do mundo eclesial e cultural, conta com as assinaturas de Alberto Vaz da Silva, Pe. Abel Varzim, António Alçada Baptista, Francisco de Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Teles, João Bénard da Costa, José Escada, Nuno Teotónio Pereira e Sophia de Mello Breyner Andresen.

“Deve notar-se – assinala o texto – que muitos católicos têm lamentado e manifestado respeitosamente, pelos meios ao seu alcance, o seu desacordo com atitudes das autoridades da Igreja em Portugal, que lhes parecem demasiado favoráveis ao regime, e com o pouco vigor com que se chama a atenção para certos princípios da moral cristã que o Estado Novo tem esquecido ou infringido sistematicamente, nomeadamente no que se refere ao respeito pela liberdade e consciência da pessoa humana.”

Na declaração, os signatários recusam aceitar que “em nome do Catolicismo ou de quaisquer doutrinas políticas, os considerem menos católicos, menos portugueses ou menos honestos, pelo facto de discordarem de algumas ou muitas orientações do Governo”.

A “Carta a Salazar sobre os Serviços de Repressão”, datada de 1 de Março de 1959, reuniu igualmente mais de quatro dezenas de assinaturas.

A missiva começa por garantir que os signatários não sentem “qualquer animosidade” contra o então Presidente do Conselho. “Pelo contrario – prossegue o texto – todos [os] católicos reconhecem a validade cristã de muitos princípios defendidos por V. Ex.a e, quasi todos educados na estima e no respeito da sua alta personalidade, só pouco a pouco e dolorosamente começaram a duvidar da aplicação autêntica de alguns desses mesmos princípios, até chegarem à conclusão – porventura demasiado tarde – que a sua consciência de cristãos e a sua dignidade de homens lhes impunha o dever de se dirigirem a V. Ex.a nos termos em que agora o fazem”.

Algumas linhas depois, o texto denuncia que indícios diversos e persistentes parecem indicar que os serviços de repressão do regime admitem e empregam métodos que uma consciência humana bem formada não pode tolerar e um espírito cristão tem necessariamente de repudiar”.

A lista de documentos, que actualmente contém cinco entradas, será actualizada à medida que as fontes forem sendo digitalizadas.


MONUMENTO AO CARDEAL CEREJEIRA


A pretexto da celebração do 50.º aniversário do monumento ao Cristo-Rei, cujo gosto não discuto, foi inaugurado no pretérito domingo um monumento ao cardeal Cerejeira. Se Almada não se regozijou especialmente com o primeiro, há boas razões para crer que não é grande o júbilo com o segundo – tributo prestado ao prelado que foi um expoente do reaccionarismo nacional e amigo do peito do ditador Salazar.

Não discuto a estética dos monumentos mas não devo deixar passar sem reparo a ética do preito ao cardeal cuja cumplicidade com a ditadura e o ditador só teve de positivo o estímulo ao abandono da religião e ao desprezo do clero.

O cardeal Gonçalves Cerejeira não teve uma palavra de solidariedade para com o bispo honrado que discordou de Salazar – António Ferreira Gomes –, bispo do Porto, exilado durante uma década. Não se lhe conhece um único lamento face às torturas policiais, prisões arbitrárias, degredo de democratas, medidas de segurança dos tribunais plenários, perseguições, censura e ausência de quaisquer liberdades. Viveu feliz com os crucifixos nas escolas, o ensino obrigatório da religião e a perseguição aos democratas.

Erigir um monumento ao cardeal Cerejeira, é reabilitar a ditadura, branquear o passado de um cúmplice e enaltecer o comportamento da Igreja durante os anos do salazarismo.

Podia ter sido um prelado arredado da política e dos crimes da ditadura, mas não foi. Informou Salazar de que Deus o tinha escolhido por para governar o País e que não era ele, Cerejeira, quem o dizia, mas a Ir. Lúcia, dada à intimidade com o divino, que lho havia segredado. Podia ter sido neutro em relação à guerra colonial, mas preferiu animar os jovens a defenderem a civilização cristã e ocidental. Não lhes faltou, aliás, durante a guerra, com um bispo castrense para repetir essa mensagem nas colónias.

Manuel Gonçalves Cerejeira foi cardeal durante mais de 41 anos. Assistiu em silêncio à guerra civil de Espanha e aos crimes de Franco, tal como em Portugal aos desmandos da ditadura e ao terrorismo policial do seu amigo Salazar.

O bispo de Setúbal que inaugurou a estátua a Cerejeira comportou-se como o autarca de Santa Comba Dão com o museu à memória de Salazar. É a reabilitação da ditadura que está em curso, o branqueamento do fascismo e a homenagem ao tempo mais negro do século XX, em Portugal.

Quando julgávamos que a Igreja, por pudor, esquecia o maior cúmplice da ditadura, aparece um bispo que nos lembra a matriz genética do salazarismo.



CARDEAL CEREJEIRA E SALAZAR


O Cardeal Cerejeira e Salazar: uma amizade (in)separável

O que uniu o Cardeal Cerejeira e Salazar? Apenas a amizade. Ambos estudaram em Coimbra, foram companheiros na Casa dos Grilos em Coimbra e militaram os dois no CADC (Centro Académico de Democracia Cristã). A historiadora Irene Pimentel escreveu a Biografia do cardeal Cerejeira com base em testemunhos próximos do cardeal e o trabalho foi editado pela Esfera dos Livros. Engane-se o leitor se está à procura de alguma revelação inédita. Este trabalho revela a amizade que existia entre ambos, não interferindo, porém, com os papéis que cada um desempenhava – um chefe do Governo e o outro Chefe da Igreja. Em dia de aniversário, o “Correio” não podia deixar de se interessar por este trabalho, pelo facto do Cardeal Cerejeira ter escrito o primeiro editorial deste jornal.

Que resultado obteve neste trabalho sobre a figura do Cardeal Cerejeira?

O que tentei fazer através desta biografia (essencialmente política, mas também cultural, intelectual e religiosa) do Cardeal Patriarca de Lisboa, entre 1930 e 1971, foi uma história do relacionamento da Igreja portuguesa com o Estado Novo de Salazar, na vigência de Marcelo Caetano e num curto período conturbado do pós 25 de Abril de 1974. Quanto ao resultado, serão os leitores a dizê-lo, mas tentei mostrar de que forma a Igreja portuguesa, sob a chefia de Cerejeira apoiou, ou não, o regime ditatorial, e reciprocamente de que forma o Estado Novo utilizou a Igreja para os seus fins políticos. Por outro lado, tentei eliminar a forma caricatural como a figura de Cerejeira ainda é hoje descrita, através de novos conhecimentos baseados nas fontes e nos testemunhos de quem o conheceu.

Que cumplicidade existia entre o Cardeal Cerejeira e Salazar?

Foram companheiros na Casa dos Grilos em Coimbra, enquanto estudantes e professores universitários. Tiveram a mesma militância católica no CADC e no Centro Católico e os dois partiram para Lisboa em 1928 e 1929, Cerejeira para ascender na hierarquia da Igreja até chegar a Cardeal Patriarca e Salazar para assumir o cargo de ministro das Finanças e depois presidente do Conselho de Ministros, que geriu com mão de ferro e de forma ditatorial.

Qual era a opinião do Cardeal Cerejeira sobre o regime de Salazar?

Cerejeira apoiou o regime e defendeu-o, não o considerando nem totalitário, nem mesmo ditatorial.

O que ganhou a Igreja com essa “amizade”?

Esta pergunta está relacionada com a anterior. Cerejeira percebeu que a Igreja tudo tinha a ganhar com o Estado Novo e que era através deste que poderia recuperar alguns dos benefícios que lhe tinham sido retirados no início da primeira República. Por isso defendeu e apoiou o regime.

O que fez o Cardeal Cerejeira ao clero que se opunha contra o regime de Salazar?

Extremamente prudente, Cerejeira sabia que Salazar não permitia a dissensão nem a oposição política ao seu regime, mesmo que esta viesse da Igreja ou dos católicos. Quando Salazar disse, em 1958, que doravante se tinha quebrado a «Frente nacional», sobre a qual se havia erguido o seu regime, com a dissidência de alguns católicos progressistas, Cerejeira advertiu-os que também não toleraria a dissidência interna à Igreja. Com o Bispo do Porto ou com outros membros do clero perseguidos pelo regime, devido a incompatibilidade política com o Estado Novo, a atitude de Cerejeira foi de silêncio, um silêncio ensurdecedor e cúmplice com o regime.

Como era visto pela crítica esta relação da Igreja com o Regime?

Dependendo da crítica. Os opositores ao regime criticavam Cerejeira e tentavam separar a hierarquia da Igreja portuguesa, que consideravam cúmplice com o regime ditatorial dos fiéis católicos

Porque houve uma mudança do Cardeal, que passou de “moderno” para ser depois considerado anti-concílio Vaticano II?

Acontece quase sempre que, devido à longevidade da vida, alguém com opções “modernas” quando é jovem, mais tarde não consegue acompanhar os novos tempos. Não confundir porém a modernidade de Cerejeira – evidenciada no seu gosto pela arquitectura modernista, viajar de avião ou utilizar os modernos meios de comunicação social - com modernidade política. Cerejeira sempre foi um conservador, fruto da educação do seu tempo, pertencendo a uma geração muito à direita do espectro político. Se, no início da sua estadia à frente do Patriarcado de Lisboa, introduziu novos métodos de actuação, Cerejeira sempre foi porém um homem do Vaticano I e não do Vaticano II e, quando por vezes inovava, fazia-o para que na realidade tudo ficasse na mesma.

Terça, 16 Março 2010 15:23 Miguel Cotrim Correio de Coimbra



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