Sunday 28 November 2010

CARDEAL CEREJEIRA E SALAZAR


O Cardeal Cerejeira e Salazar: uma amizade (in)separável

O que uniu o Cardeal Cerejeira e Salazar? Apenas a amizade. Ambos estudaram em Coimbra, foram companheiros na Casa dos Grilos em Coimbra e militaram os dois no CADC (Centro Académico de Democracia Cristã). A historiadora Irene Pimentel escreveu a Biografia do cardeal Cerejeira com base em testemunhos próximos do cardeal e o trabalho foi editado pela Esfera dos Livros. Engane-se o leitor se está à procura de alguma revelação inédita. Este trabalho revela a amizade que existia entre ambos, não interferindo, porém, com os papéis que cada um desempenhava – um chefe do Governo e o outro Chefe da Igreja. Em dia de aniversário, o “Correio” não podia deixar de se interessar por este trabalho, pelo facto do Cardeal Cerejeira ter escrito o primeiro editorial deste jornal.

Que resultado obteve neste trabalho sobre a figura do Cardeal Cerejeira?

O que tentei fazer através desta biografia (essencialmente política, mas também cultural, intelectual e religiosa) do Cardeal Patriarca de Lisboa, entre 1930 e 1971, foi uma história do relacionamento da Igreja portuguesa com o Estado Novo de Salazar, na vigência de Marcelo Caetano e num curto período conturbado do pós 25 de Abril de 1974. Quanto ao resultado, serão os leitores a dizê-lo, mas tentei mostrar de que forma a Igreja portuguesa, sob a chefia de Cerejeira apoiou, ou não, o regime ditatorial, e reciprocamente de que forma o Estado Novo utilizou a Igreja para os seus fins políticos. Por outro lado, tentei eliminar a forma caricatural como a figura de Cerejeira ainda é hoje descrita, através de novos conhecimentos baseados nas fontes e nos testemunhos de quem o conheceu.

Que cumplicidade existia entre o Cardeal Cerejeira e Salazar?

Foram companheiros na Casa dos Grilos em Coimbra, enquanto estudantes e professores universitários. Tiveram a mesma militância católica no CADC e no Centro Católico e os dois partiram para Lisboa em 1928 e 1929, Cerejeira para ascender na hierarquia da Igreja até chegar a Cardeal Patriarca e Salazar para assumir o cargo de ministro das Finanças e depois presidente do Conselho de Ministros, que geriu com mão de ferro e de forma ditatorial.

Qual era a opinião do Cardeal Cerejeira sobre o regime de Salazar?

Cerejeira apoiou o regime e defendeu-o, não o considerando nem totalitário, nem mesmo ditatorial.

O que ganhou a Igreja com essa “amizade”?

Esta pergunta está relacionada com a anterior. Cerejeira percebeu que a Igreja tudo tinha a ganhar com o Estado Novo e que era através deste que poderia recuperar alguns dos benefícios que lhe tinham sido retirados no início da primeira República. Por isso defendeu e apoiou o regime.

O que fez o Cardeal Cerejeira ao clero que se opunha contra o regime de Salazar?

Extremamente prudente, Cerejeira sabia que Salazar não permitia a dissensão nem a oposição política ao seu regime, mesmo que esta viesse da Igreja ou dos católicos. Quando Salazar disse, em 1958, que doravante se tinha quebrado a «Frente nacional», sobre a qual se havia erguido o seu regime, com a dissidência de alguns católicos progressistas, Cerejeira advertiu-os que também não toleraria a dissidência interna à Igreja. Com o Bispo do Porto ou com outros membros do clero perseguidos pelo regime, devido a incompatibilidade política com o Estado Novo, a atitude de Cerejeira foi de silêncio, um silêncio ensurdecedor e cúmplice com o regime.

Como era visto pela crítica esta relação da Igreja com o Regime?

Dependendo da crítica. Os opositores ao regime criticavam Cerejeira e tentavam separar a hierarquia da Igreja portuguesa, que consideravam cúmplice com o regime ditatorial dos fiéis católicos

Porque houve uma mudança do Cardeal, que passou de “moderno” para ser depois considerado anti-concílio Vaticano II?

Acontece quase sempre que, devido à longevidade da vida, alguém com opções “modernas” quando é jovem, mais tarde não consegue acompanhar os novos tempos. Não confundir porém a modernidade de Cerejeira – evidenciada no seu gosto pela arquitectura modernista, viajar de avião ou utilizar os modernos meios de comunicação social - com modernidade política. Cerejeira sempre foi um conservador, fruto da educação do seu tempo, pertencendo a uma geração muito à direita do espectro político. Se, no início da sua estadia à frente do Patriarcado de Lisboa, introduziu novos métodos de actuação, Cerejeira sempre foi porém um homem do Vaticano I e não do Vaticano II e, quando por vezes inovava, fazia-o para que na realidade tudo ficasse na mesma.

Terça, 16 Março 2010 15:23 Miguel Cotrim Correio de Coimbra



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