Friday, 8 March 2013

ANDRÉ MARTINS VAI SER MONGE EM FLORENÇA


André Martins tem 20 anos e vai ingressar esta semana na vida monástica. Há quem não entenda a escolha dele. Mas ele sente-se mais livre do que a maioria dos jovens
 
André Martins faz parte de uma geração marcada pelo excesso de informação e pelo avanço tecnológico. Uma geração que não conhece a palavra “tabu” e para a qual a liberdade faz parte do quotidiano. André acredita ter mais liberdade do que qualquer outro jovem. Queria ser missionário mas descobriu que, afinal, a sua vocação é tornar-se monge num mosteiro em Florença.
 
  É impossível não nos questionarmos sobre o facto de um jovem de 20 anos optar por este estilo de vida. A vida monástica implica votos e compromissos que os monges assumem até ao final da vida. André assumirá, entre muitos votos, o de castidade e de pobreza. Deixará de possuir bens. Vai ser o mais novo monge dos oito que passarão a coabitar no mosteiro florentino, que fica no centro de um cemitério.
 
 O silêncio é uma das marcas da vida monástica. A meditação e as orações ocupam grande parte do dia, que começa às 4h30 e só termina às 22h. André acha que a nossa sociedade já não dá valor ao silêncio, estando constantemente absorvida por ruídos.
 

Uma adolescência normal
 
 O futuro monge cresceu num meio muito católico, uma paróquia de Barcelos dedicada a S. Tiago. Andou na catequese, acolitava a missa, mas foi a grande amizade com o pároco e a convivência com outros jovens padres que o fez questionar a sua vocação. Os pais não reagiram muito bem quando, aos 14 anos, quis entrar para um Instituto Missionário, mas logo o apoiaram no que se viria a tornar uma grande aventura. Estudou Teologia na Universidade Católica. Agora veio despedir-se da família antes de entrar definitivamente para o mosteiro.
 
 André garante que teve uma adolescência semelhante a todos os outros jovens da sua geração. Isto porque a educação religiosa permitiu-lhe sempre que fizesse as suas descobertas e consequentes escolhas.
 
 Com o rosto corado, André compara a realidade de hoje com a dos antigos estudantes seminaristas, que “antes entravam num seminário e não havia contacto com o exterior", e, quando saíam de lá, era um processo mais complicado, até mesmo a nível sexual”. Mas os dias de hoje são diferentes. André conseguiu sempre “experimentar tudo isso lado a lado com a educação da fé”.
 
 
Resignação de Bento XVI
 
 Numa fase em que a Igreja está na boca do mundo graças aos vários escândalos que têm vindo a ser conhecidos, em que “a fragilidade dos homens” é realçada, o jovem pensa que “a Igreja europeia está muito mais carente”, sobretudo de “evangelização”. Sente que se tornou mais urgente intervir no continente Europeu do que em “África , por exemplo, que costuma ser o ponto de referência para a vida missionária”.
 
 
André vai ser monge em Florença
 
Quando Bento XVI resignou foi inevitável “o sentimento de orfandade” mas afirma que a sua fé não está nem no Papa nem nos Bispos mas sim em Jesus Cristo. O futuro monge vê a decisão de Bento XVI como um gesto de humildade. André já tinha estado na presença de Bento XVI três vezes e acha que esta decisão também é um sinal de esperança na medida em que irá iniciar-se uma nova etapa da história. E, com ela, virá alguém com uma nova missão.

http://p3.publico.pt/actualidade/sociedade/6941/andre-vai-ser-monge-em-florenca

VATILEAKS


Vatileaks. O misterioso “corvo” reapareceu nos céus de Roma

Por Rosa Ramos, publicado em 8 Mar 2013 - 11:16

Voltaram os autores da fuga de documentos do Vaticano. E, antes do conclave, avisam: “Esperamos que não seja preciso voltar a falar ao mundo”

O Vaticano bem tentou transmitir a mensagem, depois de o mordomo do Papa ter sido preso, de que o caso Vatileaks estava definitivamente arrumado. Mas em vésperas de conclave e após Bento XVI ter renunciado ao trono de S. Pedro, o “Corvo” - a enigmática figura que sempre reivindicou a autoria da operação de entrega de documentos confidenciais da Santa Sé à imprensa - reapareceu ontem nos céus de Roma.

Numa entrevista anónima ao jornal italiano “La Repubblica”, o Corvo explicou por que razão decidiu revelar os documentos sigilosos, o porquê da renúncia de Bento XVI e ainda deixou um aviso: “A Igreja tem a oportunidade, com o próximo Papa, de começar do zero. Esperamos que não seja preciso que o Corvo volte a falar ao mundo.”

Marco Ansalmo, o jornalista que conduziu a entrevista, descreveu a fonte como um homem “crente, fiel à Igreja, profundamente conhecedor da máquina do Vaticano, dos seus protagonistas e entendido nas matérias financeiras” da instituição. Mas o Corvo, explica o “La Repubblica”, não é só este homem. Ou o mordomo do Papa, Paolo Gabriele. O Corvo é um grupo constituído por cerca de 20 pessoas, entre homens e mulheres, leigos e religiosos. Em comum têm estar ligados ao Vaticano e defenderem a “transparência” e a reposição dos bons costumes e da verdade na cúpula da Igreja. Seja como for, o Corvo garantiu que a operação Vatileaks está terminada. “Já não há mais verdades para transmitir ao exterior. Tudo o que importa saber está escrito no relatório secreto compilado pelos três cardeais da confiança de Bento XVI”, garantiu, referindo-se à investigação interna encomendada pelo Papa emérito à situação da Cúria aquando da detenção do mordomo. As conclusões, essas, continuam no segredo de Deus e de mais uns poucos. Além deles só o próximo Papa terá acesso ao documento, depois de eleito.

Assim, o Corvo admite que o sucesso da operação dependerá do próximo sumo pontífice. “Tudo dependerá do Papa que for eleito, da facção que o eleger e de quem for escolhido para comandar a próxima secretaria de Estado”, diz a fonte, acrescentando que haverá sempre cardeais na Cúria a trabalhar no sentido de “bloquear” o caminho rumo a uma Igreja “livre de interesses privados e de corrupção e capaz de falar novamente aos fiéis”. O conclave, segundo o Corvo, poderá permitir à Igreja regressar ao caminho do bem. “A Igreja tem a oportunidade, com o próximo Papa, de começar do zero”, avisa, acrescentando: “Nós continuaremos fiéis à Igreja e ao Papa. E continuaremos a repor a verdade, se isso for necessário. Mas esperamos que não seja preciso que o Corvo volte a falar ao mundo.”

Na mesma entrevista, a fonte garante que Bento XVI não renunciou por causa do Vatileaks. O Papa emérito, conta o Corvo, propôs-se fazer uma limpeza em várias áreas dentro do Vaticano, de maneira a promover a transparência e a verdade. Só que encontrou resistências, o que acabou por conduzir à sua demissão: “Bento XVI sentiu que não conseguia realizar aquilo que desejava.” De acordo com a fonte do “La Repubblica”, a origem de toda a destabilização na Cúria - e a origem do próprio Vatileaks - tem um nome: IOR (banco do Vaticano). O Corvo conta que os problemas de Bento XVI começaram há pouco mais de um ano, quando decidiu confiar a Carlo Maria Viganò a difícil tarefa de coordenar “uma operação de transparência no banco”. Esse trabalho chocou com “interesses instalados” no Vaticano e Viganò acabou por ser afastado da Cúria, sem que o próprio Papa o conseguisse evitar. “Foi então que pensámos dar a conhecer o que se estava a passar dentro da Igreja, desencadeando uma operação de limpeza e de transparência que pudesse fazer aquilo que Bento XVI não estava a conseguir fazer”, garante o Corvo - que continua a dizer que o objectivo do grupo foi sempre ajudar o Papa. Na operação terão estado envolvidos funcionários de várias áreas do Vaticano: de membros da secretaria de Estado a arquivistas, passando por funcionários de museus e gente ligada ao jornal oficial do Vaticano, o “L’Osservatore Romano”. O grupo trabalhou em conjunto de maneira a fazer chegar os documentos aos jornalistas, admitindo o Corvo que pode haver coisas ainda por revelar: “Há documentos que foram divulgados e que não estão no livro do jornalista Gianluigi Nuzzi.”

O que falta saber, só o próximo Papa saberá e só depois de ser eleito. Até lá, o segredo continua na mão dos três cardeais que lideraram a investigação a pedido de Bento XVI.

http://www.ionline.pt/mundo/vatileaks-misterioso-corvo-reapareceu-nos-ceus-roma

Saturday, 2 March 2013

TARCISIO BERTONE

Cardeal Bertone. O homem que vai administrar a Igreja até ao fumo branco

 

 Cardinal Tarcisio Bertone, Vatican Secretary of State, at center with red skull cap, officially takes over the vacant See as camerlengo, chamberlain, before sealing Pope Benedict XVI's apartment, after Benedict left the Vatican, Thursday, Feb. 28, 2013. Benedict XVI became the first pope in 600 years to resign Thursday, ending an eight-year pontificate shaped by struggles to move the church past sex abuse scandals and to reawaken Christianity in an indifferent world.
  
Por Rosa Ramos, publicado em 2 Mar 2013 - 15:11

O Cardeal camerlengo é acusado, no Vaticano, de andar há mais de um ano envolvido em lutas de poder para conseguir ser Papa.
 
Não vai ter de organizar o funeral do Papa, uma das funções reservadas ao cardeal camerlengo, mas terá pela frente outras tarefas de responsabilidade nas próximas semanas, como marcar as congregações ou receber o juramento de silêncio dos cardeais eleitores. Tarcisio Bertone - um dos nomes mais polémicos da Cúria romana dos últimos anos - é o homem encar- regado do governo da Igreja até que seja escolhido um novo Papa.
 
Salesiano e apaixonado por futebol, começou por ser das figuras de maior confiança de Bento XVI, mas nos últimos meses as relações entre o secretário de Estado do Vaticano e o Papa tornaram-se confusas e difíceis de compreender - até para os analistas e observadores mais atentos da Santa Sé. Tarcisio Bertone, 78 anos, trabalhou durante sete com Ratzinger, quando o alemão ainda era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Depois de ter sido consultor em vários dicastérios da Cúria, aproximou-se daquele que viria a ser o Papa seguinte: ajudou-o a publicar a terceira parte do segredo de Fátima e estudaram, em conjunto, documentos sobre escândalos de abusos sexuais. Em 2006, depois de eleito Papa, Bento XVI nomeou-o secretário de Estado (número dois do Vaticano), em substituição do cardeal Angelo Sodano. Desde então, Bertone tem somado inimigos e poder. A última promoção a que teve direito aconteceu há pouco tempo: o ano passado foi escolhido camerlengo, substituindo o cardeal espanhol Eduardo Somalo.
 
Com a responsabilidade a aumentar na Cúria, Bertone foi deixando para trás a carreira de professor e reitor da Pontifícia Universidade Salesiana. No entanto, a sua nomeação para secretário de Estado esteve longe de ser pacífica. Desde o começo, foi acusado de não ter suficiente experiência diplomática para merecer o cargo. E a verdade é que o cardeal nunca foi propriamente um diplomata. Impetuoso, pouco delicado, intrometido nos assuntos da Cúria, imprudente e amigo do poder: é assim que tem sido retratado nos últimos seis anos na imprensa italiana.
 
O ano passado, o Vatileaks arrastou o nome do número dois do Papa para as manchetes dos jornais: boa parte dos documentos confidenciais do Vaticano vazados para os jornais italianos conduziam, directa ou indirectamente, ao secretário de Estado. Vários jornais chegaram a pedir a sua demissão, classificando o seu governo de “mau”.
 
Um dos primeiros documentos que chegaram à imprensa, há pouco mais de um ano, foi uma carta do cardeal Daryo Hoyos endereçada ao Papa, que falava de uma suposta conspiração para matar o sumo pontífice e que aludia a confrontos frequentes entre Bertone e Bento XVI. Outros documentos davam a entender que Bertone, se não era um dos principais corrompidos do Vaticano, teria pelo menos fechado os olhos a diversos factos graves. Viganò foi afastado da Santa Sé, depois de ter denunciado ao Papa alegados esquemas de corrupção e muitos atribuíram a sua transferência para os Estados Unidos à influência de Bertone.
 
Num perfil traçado no El País”, o número dois de Bento XVI é um homem “obcecado pelo poder” e com um gosto especial por controlar directamente os fluxos de dinheiro da Santa Sé. E alguns dos documentos divulgados no Vatileaks revelaram que Bertone não quis perder a comissão de supervisão do Instituto Obras Religiões (IOR), o banco do Vaticano.
 
Com essa verba, garante a imprensa italiana, o cardeal quereria comprar um hospital falido em Milão. Só que o Papa e o anterior presidente do banco, Ettore Tedeschi - colocado no cargo por Bento XVI para fazer uma limpeza à instituição e com ordens expressas para que lhe reportasse directamente todos os dados - não concordaram com Bertone.
 
Os conflitos ter-se-ão começado a agudizar e Tedeschi foi expulso - acusado de divulgar documentos secretos e de “incapacidade mental para o trabalho”. A sua saída abalou profundamente o Papa, que terá chorado quando soube do afas- tamento do seu colaborador. Para muitos observadores, aliás, a nomeação do novo presidente do IOR, Ernst von Freyberg, pode muito bem ter sido a derradeira tentativa de Bento XVI de tirar a chave do cofre do banco das mãos de Tarcisio Bertone.
 
Em Dezembro, numa entrevista ao i, o jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, autor do livro “Sua Santità”, que contém boa parte dos documentos do Vatileaks, garantiu que Bertone terá montado nos últimos anos uma verdadeira “operação de poder” no Vaticano, colocando homens-chave em todos os sectores.
 
O secretário de Estado é agora, embora temporariamente, o líder da Igreja, e vai estar entre os cardeais eleitores do conclave. Contudo, não é um dos favoritos para suceder a Bento XVI - até porque já tem 78 anos.