Saturday, 18 December 2010

ELP, MDLP E MARIA DA FONTE

A 'cruzada branca' contra 'comunistas e seus lacaios'

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Fernando madaíl 17 Agosto 2005

Na noite de 4 de Outubro de 1975 Alpoim Calvão aproveitou as 11 horas que passou escondido no telhado do Seminário de São Tiago, em Braga, para... dormir. Pelo menos é o que conta o principal comandante operacional do movimento inspirado por Spínola no livro De Conakry ao MDLP (Ed. Intervenção), ao descrever o cerco feito por forças do Regimento d e Infantaria de Braga, que conseguiram capturar o major Mira Godinho e o major-tenente Benjamim de Abreu, mas não descobriram o vulto mais procurado das redes bombistas de direita.

Nos barrotes do sótão, o militar medalhado cujo nome terá sido apontado para chefiar a PIDE/DGS antes do 25 de Abril haveria de se voltar a encontrar com outro dos convivas no denunciado almoço em que o anfitrião era o cónego Melo - Paradela de Abreu, o fundador do movimento Maria da Fonte (espécie de compagnon de route do MDLP), anotou este outro conspirador em Do 25 de Abril ao 25 de Novembro (Ed. Intervenção).

ELP. Mas tanto o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), liderado do exílio brasileiro por Spínola, como o Maria da Fonte são posteriores à organização pioneira na oposição de direita ao processo revolucionário em curso. O ELP (Exército de Libertação Português), comandado pelo subdirector da PIDE/DGS Barbieri Cardoso, treinava-se em quintas espanholas com a cumplicidade do regime de Franco e "situava-se na direita salazarista", segundo Robert Moss, citado por Kenneth Maxwell (A Construção da Democracia em Portugal, Ed. Presença).

Em Dezembro de 1975, em artigo na Harper's Magazine ("A Ticket to Lisbon The Civil War"), Moss "relatava 'muitas horas' passadas em Espanha e no Norte de Portugal, com os dirigentes de um exército secreto que se preparava para uma eventual guerra civil em Portugal" (ob. cit.). Os panfletos do ELP exortavam "cada português" a ser um "combatente" contra os "assassinos comunistas", ensinando até a fazer cocktails Molotov.

A organização foi denunciada por Eurico Corvacho, comandante da Região Militar Norte, a 23 de Março de 1975, numa conferência de Imprensa difundida em directo pela RTP. "Graças à vigilância popular, foi possível detectar a existência e os propósitos de tão nefasta organização e prender já alguns dos seus agentes", declarou Corvacho, conforme registou Diniz de Almeida em Ascensão, Apogeu e Queda do MFA (Ed. Sociais), acrescentando que o fio da meada foi apanhado por acaso a 31 de Janeiro.

"O Exército de Libertação português (ELP) agradece a todos aqueles que, no CDS, PPD, PDC, igrejas, paróquias, bancos, etc., ou em iniciativas de carácter privado, têm apoiado a nossa justa luta, criando um clima propício para a nossa entrada em acção com o fim de limpar o País de todos os cães comunistas e traidores, que nos tentam impedir de sermos o que sempre fomos e de dispormos de nós como muito bem entendemos."

O panfleto, de Agosto de 1975 - "por motivos de segurança foi tirado um número muito reduzido deste comunicado" -, tinha ainda um "obrigado" a Soares, "por nos teres facilitado as coisas desta maneira". E acrescentava "És um tipo porreiro! Fica prometido que terás bandeira a meia-haste quando morreres... com um tiro na nuca!"

MDLP. O movimento que Spínola não quis que se chamasse Frente de Salvação Nacional, formado a 5 de Maio e oficialmente dissolvido a 31 de Março do ano seguinte, além da cumplicidade além-fronteiras e células nas comunidades emigrantes nos Estados Unidos e na Venezuela, relacionou-se com a FNLA, participando na guerra da independência de Angola e recebendo armas de Holden Roberto. Kenneth Maxwell escreve que "o MDLP afirmava ter uma força de combate de 1000 homens a postos, em Espanha, cuja presença era consentida pelas autoridades" franquistas. "Moss lamentava que isto parecesse 'ser quase completamente ignorado pela agência [CIA] e pelos serviços congéneres da Europa Ocidental'."

Difundiram folhetos a pugnar pela "organização das freguesias em autodefesa", coordenadas pelas Brigadas Anti-Totalitárias (BAT) "Quando ouvires os sinos da tua freguesia tocar a rebate, vem para a rua com as armas que tiveres: caçadeiras, pistolas, picaretas, enxadas ou gadanhas". Noutro papel, explicavam que "é urgente prepararmo-nos para desencadearmos por todo o Portugal uma cruzada branca contra a opressão vermelha, contra o comunismo estrangeiro, usurpador, opressor e ateu".

Alpoim Calvão assume as bombas do MDLP até ao 25 de Novembro. "Antes disso, podem dizer que fui eu que as mandou pôr, a todas, que eu não desminto. Depois disso, nem uma", garantia, a 13 de Fevereiro de 1994, numa entrevista ao Público, que integra o arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.

Maria da Fonte. A maior curiosidade do movimento criado por Paradela de Abreu (o editor de Portugal e o Futuro, de Spínola) foi o facto de o seu mentor rapidamente ter descoberto, conforme explica no seu livro, que só havia uma estrutura capaz de fazer frente à implantação dos comunistas a Igreja Católica. E terá sido ele a contactar o arcebispo de Braga, que indicou o cónego Melo como mediador.

"Cada diocese tem muitas paróquias, logo muitas igrejas, logo muitos sinos. Milhares de sinos ao norte do rio Douro. Centenas de milhares de católicos. Ao pensar nesta 'estrutura' em termos de eventual guerra interna, constatei que o País já estava 'quadriculado' militarmente. Cada paróquia seria uma 'base'. Cada igreja de granito ancestral, um 'reduto'. Cada sino um 'rádio transmissor'. Cada quinta perdida nas serras, um 'apoio logístico'" (ob. cit.).

Desencontros. Durante algum tempo, todas os atentados e sabotagens foram atribuídos a uma única rede. E, no entanto, havia divergências profundas. Alpoim Calvão escreveu no seu livro que "o ELP propunha-se finalidades e formas de actuação com que não concordávamos. Só nos unia o anticomunismo, factor importante, mas não suficiente". Na entrevista ao Público desabafava que "havia um pirata chamado Paradela de Abreu, mas que era um pirata útil. E a ligação do seu movimento - Maria da Fonte - connosco era feita pelo Eng. Jorge Jardim, por quem eu tinha consideração e admiração".

Paradela também não poupa os outros nas memórias sobre esses anos. "Fomos ao bar do Hotel Melià [em Madrid], onde cabiam à volta de uma mesa todos os activistas do ELP"; "Spínola preferia conspirar em Copacabana, Espanha e Suíça"; Alpoim "esteve em Portugal três ou quatro vezes durante a luta popular no Norte", pois "muito mais tranquilo era o escritório na Calle Lagasca, em Madrid, ou a bonita casa de Segóvia".

João Paulo Guerra (Polícias & Ladrões, Ed. Caminho) enumerava "uma estranha amálgama de discursos em defesa da 'ordem', da propriedade privada, da pátria e da família, com o submundo da droga, do contrabando e do crime, com o bas-fond das cidades e das pequenas vilas, com mercenários desempregados de guerra, com revanchistas colonialistas, com ex-pides, com filhos-família e com chulos".

E Eduardo Dâmaso, em A Invasão Spinolista (Ed. Fenda), ironizaria que "a preparação da 'subversão interna' e a forma como arranjaram armas para a 'guerra' são ingredientes do mais puro romance de John le Carré, ainda que 'à portuguesa'". Mas só deu para umas sequências do filme de Fonseca e Costa Kilas, o Mau da Fita.


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