Monday 24 December 2012

COZINHA COM ALMA

Cozinha com Alma. Um negócio com os ingredientes certos

 Por Isabel Tavares, publicado em 24 Dez 2012 - 03:10 
 
A funcionar há menos de um ano, o projecto pretende atingir as 100 pessoas em Março de 2013 e iniciar uma rede de franchising
 
A Cozinha com Alma abriu a primeira loja, provisória, em Fevereiro deste ano e o dia treze não foi, definitivamente, número de azar. Nasceu para defender uma causa e, quase um ano depois, já pensa em franchisar o negócio. Mas, antes de mais, quer consolidar o que já existe.
 
O projecto é bem diferente da ideia inicial das suas mentoras, Cristina Botton e Joana Castella. As duas são unânimes: para serem bem sucedidas foi fundamental “escutar, escutar, escutar”. Há muitos anos Cristina desafiou Joana para desenvolverem em conjunto uma espécie de “sopa dos pobres”. Na altura, pouco se falava em organizações desta natureza e menos ainda em empreendedorismo social. Foi preciso um ano a ouvir falar em fome e probreza envergonhada para Joana Castella achar que era o momento certo para avançar.
 
Acertaram agulhas, definiram conceitos e foram apresentar a ideia à então vereadora com o pelouro social da Câmara Municipal de Cascais, Mariana Ribeiro Ferreira, actual presidente do Instituto da Segurança Social. O objectivo era perceber se o projecto fazia sentido, se valia a pena.
 
E fazia. Mas as recomendações foram mais que muitas, não estivesse Mariana Ribeiro Ferreira habituada a ouvir falarcom entusiamo de mil e uma ideias que raramente – e por motivos diversos –, nunca saem do papel. “Deu-nos imensas directrizes, como não prestar serviços grátis. Ouvimos muitas pessoas, especialistas em várias áreas, aconselhámo-nos. O projecto foi evoluindo e o resultado é muito diferente da ideia inicial”, conta Cristina Botton para explicar que este processo foi fundamental para concretizar tudo.
 
Esta IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social nasceu para defender uma causa e não tem fins lucrativos, mas é gerida como uma empresa que quer ganhar dinheiro para reinvestir no negócio e poder ir alargando a sua ajuda a mais famílias.
 
O estudo de viabilidade económica apontava para um investimento inicial de 80 mil euros. As duas sócias não conseguiram reunir essa verba logo no início e, por isso, “em vez de quatro frigoríficos, comprámos dois, em vez de dois abatedores de temperatura comprámos um, etc”, diz Cristina. Hoje, o negócio de refeições prontas gera uma receita mensal de cerca de 15 mil euros e a Cozinha com Alma é uma empresa auto-sustentável. Desse montante sai o dinheiro para pagar os quatro empregados – chef, ajudante, cozinheira e responsável de loja –, ingredientes, embalagens, água, luz, gás...
 
voluntariado. “A Cozinha com Alma faz hoje 300 refeições diárias até às 11 da manhã e ajuda 18 famílias, num total de 54 pessoas”, diz Joana Castella com orgulho. É que as refeições prontas tem de estar na loja para serem adquiridas a partir do meio-dia e além disso é ainda necessário confeccionar as refeições dos bebés e do pessoal da creche onde a cozinha funciona, a contrapartida pedida pela Junta de Freguesia de Pampilheira para ceder o espaço ao projecto. Em Janeiro deverão ser já 75 pessoas pessoas com bolsa alimentar e em Março a empresa espera atingir as 100.
 
Nada disto seria possível sem a equipa de 60 voluntários, entre os 18 e os 82 anos, que todos os dias se dispõe tirar umas horas do seu tempo, mesmo quando parece tão escasso, para ajudar. Como é muita gente, há uma voluntária que tem a seu cargo a gestão de toda a equipa e a organização dos dias, horários e tarefas atribuídos a cada um. Depois, Cristina coordena mais directamente os voluntários ocupados da loja e Joana os que estão adstritos à cozinha.
 
Além disso, existem ainda os parceiros da Cozinha com Alma, empresas e amigos que ajudam com o que podem na medida das suas possibilidades. “Chegámos a fazer uma lista de casamento – conta Joana, divertida –, em que vinha desde a colher de pau ao abatedor de temperatura”. Mas, afinal, quem são as pessoas que a Cozinha com Alma apoia? As famílias são escolhidas pela Comissão Social de Freguesia e trata-se de “pessoas em idade activa, sobretudo com filhos menores a cargo, que estão numa situação temporariamente difícil e precisam de um balão de oxigénio para ultrapassar este período”, explica Joana Castella. O apoio traduz-se no fornecimento de refeições caseiras a preços muito baixos, fixado de acordo com três escalões que nada têm a ver com os da Segurança Social. O objectivo é exactamente chegar à classe média, onde não chegam as ajudas do Estado.
 
O escalão 1 paga um preço médio de 50 cêntimos por refeição, sopa e prato principal, o escalão 2 paga uma média de um euro e o escalão 3 paga 1,5 euros. Esses valores são carregados num cartão que vai sendo utilizado ao longo do mês.
 
Por exemplo, um agregado familiar de quatro pessoas, com um plafond máximo mensal de 35 euros, pode carregar o cartão com todo o valor de uma vez e ir abatendo ao longo de trinta dias até atingir o limite ou, se preferir, ir carregando ao longo do mês de acordo com as suas possibilidades ou necessidades.
 
Quando inicia este processo, a família responde a um inquérito, que é repetido seis meses depois, quando termina o período de apoio. “Aí, a Cozinha com Alma quantifica o impacto na melhoria de vida dessas pessoas e na resolução dos seus problemas. Saber se estamos no caminho certo ou se está tudo na mesma é importante, não queremos que esteja tudo na mesma”, explica Joana Castella.
 
E se não estiver? “Então, não se trata de uma família Cozinha com Alma, ou seja, é uma família que precisa de um apoio mais continuado e, para isso, existem programas de assistência social definidos pelo Estado. Por exemplo, temos muitos idosos a pedir bolsas sociais e a nossa família tipo não são idosos”, remata Cristina Botton.
 
O mesmo cartão que é utilizado pelas famílias com bolsa social pode também ser utilizado por qualquer cliente que não esteja ao abrigo das bolsas mas queira ali comprar as suas refeições prontas. Os preços, claro, esses são diferentes, mas ainda assim em conta. E na loja vende-se de tudo, sopas, diversos pratos de peixe e carne e sobremesas, tudo confeccionado pelo chef Nuno Simões.
 
Quem opta por cartão tem direito a brinde: com 50 euros recebe uma garrafa de vinho, com 100 euros uma garrafa de vinho mais cara e com 150 uma garrafa de vinho ainda melhor. O objectivo é estimular a compra do cartão, que vai abatendo à medida que o cliente vai efectuando as suas compras.
 
“O mais engraçado é que não sabemos distinguir os clientes e para qualquer pessoa é impossível saber se se trata de um bolseiro ou de um cliente normal”, diz Cristina Botton.
Para a Cozinha com Alma é fundamental que as pessoas que recorrem a esta ajuda não se sintam apontadas.
 
Joana Castella diz que, “no início algumas famílias vêm muito envergonhadas, porque pedem ajuda pela primeira vez. Há famílias que nos contam como é difícil o processo, até porque antes eram elas que doavam. É um acto de coragem da família. Depois, quando percebem como funciona o cartão e que não são reconhecidas por ninguém, ficam aliviadas e muito mais à vontade”.
 
Cristina diz que há duas ou três famílias muito envergonhadas, que entram de cabeça baixa, mas há também aquelas que se sentem aliviadas com a ajuda e entram na pequena loja quase a gritar que são bolsa. “Não nos cabe julgar os outros e temos de respeitar cada um”, afirma Cristina.
A loja tem frescos e congelados, pelo que é possível levar para toda a semana ou ir buscar diariamente acabadinho de fazer. O sistema é self-service e cada cliente é livre de levar os artigos que prefere. E também aceita encomendas e faz serviço de catering para particulares ou empresas.
Nesta altura, a cozinha é o principal problema da empresa: “começa a ser apertada para tanta comida e tanta gente. Uma vez mais, em conjunto com diversas entidades, estamos à procura de uma solução”, avança Cristina Botton.
 
O lema das duas sócias é dar um passo de cada vez, mas as ideias não páram de surgir. “Muita gente pergunta-nos porque não fazemos um horta, ou isto e aquilo. Não queremos dispersar e queremos envolver a comunidade. Primeiro temos de fazer bem feito, temos de consolidar”.
 
Mas 2013 poderá trazer grandes novidades. O objectivo é alargar a ajuda a outras freguesias, com Alcabideche e Estoril. Depois, criar um franchinsing. Antes disso, e já em Janeiro, avançam uma série de workshops, o primeiro dos quais em “independência financeira”, com a colaboração da ASFAC – Associação de Instituições de Crédito Especializado, que se ofereceu para seguir individualmente algum caso mais difícil. No final de Março surgirão outras sessões de coaching. “As pessoas têm de aprender a reinventar-se e a viver com esta nova realidade que é ter menos”, remata Crisitna Botton.
 

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