Religião
Bento XVI assumiu que o uso do preservativo se justifica em "casos particulares": nada que as congregações que trabalham no terreno não soubessem já
Novo livro-entrevista de Bento XVI chega 3 de Dezembro a Portugal
É o primeiro Papa na história da Igreja a dizê-lo com frontalidade. Bento XVI admitiu, numa longa entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald - publicada amanhã, na Alemanha, em livro - que "pode haver casos particulares em que o uso do preservativo é justificado". Os primeiros excertos de "Luz do Mundo" foram revelados este fim-de-semana pelo jornal oficial do Vaticano, "L''Osservatore Romano".
Mas antes de o Papa o dizer já as organizações católicas que trabalham no terreno aconselhavam o preservativo como forma de prevenção de doenças como a sida. É o caso das Missionárias Combonianas. Palmira Magalhães, irmã-enfermeira, chegou a Moçambique em 1994 para exercer a profissão num centro de saúde "a 300 quilómetros da Beira". Em 2005 começou a trabalhar directamente com doentes infectados pelo HIV e não nega que a congregação aconselhava o uso do preservativo, "especialmente aos casais em que só um elemento estava infectado".
"Era um incentivo ao amor e até para manter a família unida", acredita, acrescentando ainda assim que a "sensibilização e a prevenção" da doença em outras frentes era a "motivação maior" das religiosas. Mesmo assim, a irmã-enfermeira garante que nunca sentiu que estivesse a ir contra a lógica da Santa Sé. "Sabíamos que o Vaticano, prudente, não o tinha dito, mas não podíamos esperar; havia casos muito difíceis", justifica. Também a maior congregação feminina portuguesa, as Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, admite distribuir preservativos há algum tempo. "Sobretudo no Brasil, junto das prostitutas, para que se possam proteger", admite ao i a superiora Maria da Glória.
"A novidade disto é ser o Papa a dizer, porque é algo que já era admitido comummente, seguindo a teoria do mal menor", acredita o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal, que alerta para a "verdadeira mensagem" de Bento XVI: "Não é um convite banalizado à sexualidade, é um apelo à estratégia AFP", segundo a qual os católicos devem praticar a "abstinência e a fidelidade, sendo o preservativo o último recurso". Já o teólogo Joaquim Carreira das Neves admite que a Igreja "nunca lidou bem com a sexualidade" e sublinha o facto de Bento XVI ser o primeiro Papa "a abrir-se". Mesmo assim, acrescenta, a posição, "ainda que corajosa, vem tarde".
O texto de "Luz do Mundo" não se cinge ao debate em torno do preservativo. Em entrevista a Peter Seewald, Bento XVI fala de intolerância religiosa, da relação com o islão, do combate à droga, da proibição da burca e da suposta omissão do Papa Pio XII (1939-1958) sobre o massacre de judeus pelos nazis na Segunda Guerra Mundial. E até conta que nunca esperou ser eleito Papa. Aos 83 anos, confessa: "As forças já vão diminuindo."
O discurso do Papa faz da Igreja uma instituição mais moderna? "O desafio permanente da Igreja é servir as pessoas de hoje, não de ontem", comenta o padre Manuel Morujão.
I ONLINE 22-11-2010
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