08.05.2010 - 09:09 Por João Manuel Rocha
Só na última das suas três visitas a Portugal, em 2000, se compreendeu plenamente a devoção de João Paulo II por Fátima. O mais andarilho dos Papas que a Igreja já teve acreditava piamente que o chamado "terceiro segredo de Fátima" se referia ao atentado que sofreu em Roma, em 1981, e que fora a intervenção miraculosa de Nossa Senhora que o salvara das balas de Ali Agca. O atentado de 1981 vai marcar a relação de João Paulo II com Fátima.
A devoção mariana do Papa Wojtyla já era conhecida, como mostrava a escolha da expressão Totus Tuus (Eu sou todo teu, aludindo a Maria) para lema do seu pontificado. Mas foi reforçada com o atentado: a data, 13 de Maio, como a primeira das aparições de 1917, e o conhecimento que já tinha do texto do terceiro segredo levaram João Paulo II a estabelecer uma relação entre a mensagem dos pastorinhos e o seu trajecto pessoal.
Depois de alvejado, ainda no hospital, pediu que lhe levassem o documento do segredo. Na interpretação das crianças, que o Vaticano referiu em 2000 ter sido então reiterada por Lúcia, o "bispo vestido de branco" era o Papa, que "cai por terra morto sob os tiros de uma arma de fogo". A visão do Inferno e o anúncio da devoção ao Coração Imaculado de Maria eram os segredos antes conhecidos.
O atentado vai marcar a relação de João Paulo II com Fátima, ponto obrigatório das três viagens que fará a Portugal, e influenciará calendários e itinerários. Na primeira, em 1982, logo à chegada ao Aeroporto de Lisboa, onde é recebido pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, e pelo primeiro-ministro, Pinto Balsemão, no rescaldo de uma greve geral promovida na véspera pela CGTP, afirma ao que vem, logo após o beijo no solo com que inaugurava todas as suas primeiras visitas a um país: "Esta minha peregrinação tem um sentido dominante: Fátima. Seguirei depois um itinerário mariano." O mesmo dirá nesse mesmo 12 de Maio, no Palácio de Belém: "Encontro-me em Portugal em visita pastoral e, sobretudo, em peregrinação a Fátima."
Nessa noite, já no santuário, é alvo de uma tentativa de atentado com a baioneta de uma espingarda Mauser de 1914 empunhada por Juan Fernandez Krohn, um padre integrista que não reconhece a autoridade do chefe católico. "Vim para matar o Papa", confessou, segundo A Capital. Poucos dos 700 mil peregrinos calculados pelo jornal se apercebem.
Ao contrário do que sucedera com Paulo VI em 1967, desta vez não há razões políticas que abreviem a visita, que assume carácter de Estado e da qual apenas a UDP se demarca. O programa de quatro dias não dispensa a passagem pelos santuários marianos de Vila Viçosa, Fátima e Sameiro. As mensagens são pensadas para públicos específicos. Em Fátima confirma que, após o atentado de 1981, o seu pensamento "voltou-se imediatamente" para o santuário. No Alentejo defende salário justo para os trabalhadores da terra. Em Lisboa, as suas palavras privilegiam os jovens. Em Coimbra coloca na agenda a cultura. Em Braga aborda os problemas da família, o casamento e o aborto. No Porto, o tema é o mundo do trabalho, a crise e o desemprego.
Rígido na doutrina e avançado no campo social, João Paulo II deixa sinais do que seria uma marca da sua liderança: a busca de empatia com os jovens. A tarde de 14, no Parque Eduardo VII, com "talvez mais [gente] que em Fátima", foi, segundo o Diário de Lisboa, "sem dúvida, o clímax da viagem: uma multidão, onde predominava a juventude de escuteiros e guias, estendia-se até perder de vista, para além de uma zona de segurança". Em Coimbra, a 15, soltará um "Olá malta", que faz títulos de jornal.
Nove anos depois da primeira visita, Wojtyla está de volta para uma visita que decorre entre 10 e 13 de Maio. Mário Soares ocupa o Palácio de Belém e Cavaco Silva está na chefia do Governo. Em Lisboa, no Estádio do Restelo, com prelados africanos, o Papa assinala os 500 anos de evangelização. Cai mal uma alusão à Indonésia como lugar de missionação portuguesa sem que seja acompanhada por qualquer referência à situação em Timor, já ignorada em ocasiões anteriores. A 11, o PÚBLICO escreve em manchete: "João Paulo II volta a esquecer Timor", o que obrigará a uma reacção. "Falei da evangelização que se fazia em Portugal, na época da colonização: são as ilhas das Flores e depois a de Timor", dirá o Papa à Rádio Renascença.
Numa visita catequética, com um roteiro que inclui Açores, Madeira e, necessariamente, Fátima, a agenda aborda temas como a missionação, a situação nos países de Leste, a emigração, a juventude e a espiritualidade mariana. Nas estradas que conduzem à Cova da Iria pedem-se aos peregrinos 20 escudos por um copo de água. No santuário, o Papa volta a lembrar o atentado de 1981.
Em 2000, a viagem tem um objectivo claro: a beatificação dos pastorinhos Jacinta e Francisco e, percebe-se depois, a revelação do segredo. Os anfitriões de Estado são desta vez Jorge Sampaio, como Presidente, e António Guterres, primeiro-ministro. Wojtyla volta, tal como nas vezes anteriores, a encontrar-se com Lúcia. A saúde do Papa é já débil e pressente-se o final de pontificado. "Parece querer estar a "arrumar as gavetas", despedindo-se dos lugares que lhe são queridos, das devoções que mais lhe tocam, dos objectos que mais significado lhe traziam", escreve o PÚBLICO.
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